O Crescimento Global da Obesidade: Por Que as Soluções Atuais Não São Suficientes
Por décadas, o mundo combateu a obesidade com dietas, exercícios e campanhas de conscientização. Mas o problema só piora. Por que as abordagens tradicionais falharam — e o que a ciência propõe agora?
A obesidade é um dos maiores desafios de saúde pública do século XXI. Dados recentes publicados na revista científica Nature revelam que o número de pessoas com obesidade em todo o mundo mais que dobrou desde 1990. Atualmente, mais de um bilhão de pessoas vivem com obesidade — um marco alarmante que mostra que os esforços globais têm sido insuficientes.
Segundo a Global Burden of Disease Study, publicada em março de 2025, o crescimento da obesidade não é um problema restrito aos países desenvolvidos. Nações de baixa e média renda estão experimentando aumentos ainda mais rápidos nas taxas de obesidade. Países como México, Egito e Indonésia agora enfrentam desafios que antes eram vistos como típicos dos Estados Unidos ou da Europa Ocidental.
Uma Epidemia Global em Expansão
De 1990 a 2022, a prevalência da obesidade mais do que dobrou entre adultos e crianças. Em números absolutos, são agora mais de 880 milhões de adultos e cerca de 160 milhões de crianças vivendo com obesidade. Os pesquisadores alertam que, se as tendências atuais continuarem, esses números devem aumentar ainda mais nas próximas décadas.
A obesidade é um importante fator de risco para doenças como diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares e vários tipos de câncer. Além disso, o aumento das taxas de obesidade representa um peso econômico significativo para os sistemas de saúde pública, especialmente em países que ainda estão construindo suas redes de atenção primária.
Por Que as Abordagens Tradicionais Falharam?
Durante décadas, a prevenção da obesidade foi centrada em campanhas de conscientização sobre alimentação saudável, estímulo à prática de atividades físicas e mudanças individuais de comportamento. Apesar das boas intenções, os dados mostram que essas estratégias tiveram impacto limitado.
Segundo a professora Corinna Hawkes, especialista em políticas alimentares da City University de Londres, o foco excessivo na responsabilidade individual desconsiderou fatores sociais, econômicos e ambientais que moldam o comportamento alimentar. “As políticas se concentraram muito em dizer às pessoas o que fazer, mas não mudaram o ambiente ao redor delas”, afirma Hawkes.
As pesquisas indicam que fatores estruturais, como o fácil acesso a alimentos ultraprocessados, publicidade agressiva de alimentos não saudáveis e a falta de espaços seguros para atividade física, têm um papel central no avanço da obesidade.
O Papel dos Ultraprocessados
Um dos principais vilões apontados por especialistas é o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados — como refrigerantes, salgadinhos, biscoitos industrializados e refeições prontas. Esses produtos são ricos em calorias, açúcares, gorduras saturadas e sódio, mas pobres em nutrientes essenciais.
O professor Barry Popkin, da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, destaca que o crescimento da obesidade em países de renda média está diretamente ligado à globalização desses alimentos. “Esses produtos estão mais disponíveis, mais baratos e são fortemente promovidos, especialmente para crianças”, afirma.
Mesmo em países que tentaram impor restrições à publicidade ou taxas sobre bebidas açucaradas, os resultados têm sido limitados, devido ao forte lobby da indústria alimentícia e à falta de políticas abrangentes.
A Nova Geração de Medicamentos
Nos últimos anos, uma nova frente de combate à obesidade ganhou destaque: os medicamentos conhecidos como agonistas do receptor de GLP-1, como a semaglutida (comercializada como Wegovy) e a tirzepatida (Mounjaro).
Estudos clínicos mostram que esses medicamentos podem levar a uma perda de peso significativa — entre 15% e 20% do peso corporal, em média. Eles atuam modulando os centros de fome e saciedade no cérebro, além de influenciar o metabolismo.
A aprovação desses medicamentos nos Estados Unidos e na Europa gerou uma enorme demanda, tanto entre pacientes com obesidade quanto entre pessoas que buscam perda de peso estética. No entanto, os preços elevados e a disponibilidade limitada fazem com que o acesso seja restrito a uma parcela pequena da população mundial.
O professor Francesco Branca, diretor do departamento de nutrição da Organização Mundial da Saúde (OMS), reconhece o avanço representado por essas drogas, mas alerta: “Não podemos depender apenas de medicamentos. Precisamos de uma abordagem de saúde pública que ataque as causas estruturais da obesidade.”
Mudanças Necessárias: Políticas Públicas Mais Fortes
Especialistas entrevistados pela Nature concordam que é necessário um pacote de políticas coordenadas e ambiciosas para enfrentar a obesidade de forma eficaz. Entre as medidas recomendadas estão:
Regulação da publicidade de alimentos não saudáveis, especialmente voltada para crianças.
Subsídios para alimentos frescos e saudáveis, como frutas e vegetais.
Impostos sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados, para desestimular o consumo.
Rotulagem clara e direta, com alertas visíveis sobre alto teor de açúcar, sal e gordura.
Promoção de ambientes urbanos mais seguros e acessíveis, que incentivem a prática de atividades físicas.
Integração da obesidade como prioridade em políticas de saúde pública, com financiamento adequado.
O Papel da OMS e o Futuro da Luta Contra a Obesidade
Em 2022, a Assembleia Mundial da Saúde adotou o “Plano de Ação para a Obesidade até 2030”, com o objetivo de deter o aumento das taxas globais de obesidade. A meta é que os países implementem políticas concretas e mensuráveis nos próximos anos.
Entretanto, a implementação tem sido lenta. Apenas um pequeno número de países adotou um conjunto abrangente de medidas que atacam simultaneamente o ambiente alimentar, a promoção da atividade física e o acesso ao tratamento médico.
A OMS planeja lançar uma nova comissão de alto nível para acelerar o progresso. O objetivo será pressionar governos e envolver diferentes setores da sociedade na resposta à obesidade.
Um Problema de Justiça Social
Além das questões de saúde, a obesidade também é uma questão de equidade. Em muitos países, as taxas de obesidade são maiores entre populações de baixa renda e grupos marginalizados. Isso reflete desigualdades no acesso a alimentos saudáveis, espaços seguros para atividades físicas e serviços de saúde.
A professora Hawkes destaca que políticas bem-sucedidas precisam levar em conta essas desigualdades. “Não se trata apenas de reduzir a obesidade, mas de fazer isso de maneira justa e inclusiva”, afirma.
Conclusão: Uma Mudança de Paradigma é Urgente
O crescimento contínuo da obesidade global expõe os limites das abordagens tradicionais baseadas na responsabilidade individual. Para reverter essa tendência, será necessário um esforço coordenado entre governos, indústria, sociedade civil e o setor de saúde.
A ciência é clara: políticas isoladas não serão suficientes. É hora de adotar uma abordagem sistêmica que transforme o ambiente alimentar, promova a atividade física, amplie o acesso a tratamentos eficazes e, acima de tudo, priorize a saúde pública de forma equitativa.
O desafio é grande. Mas a alternativa — deixar que as taxas de obesidade continuem a crescer — terá um custo ainda maior para as próximas gerações.