O investimento esquecido: saúde mental como motor de crescimento global
A saúde mental, por muito tempo relegada às margens das prioridades em políticas públicas e investimentos em saúde, tornou-se um dos maiores paradoxos da atualidade: é onipresente em impacto, mas invisível no orçamento. Transtornos mentais e por uso de substâncias são hoje responsáveis por quase um terço de toda a carga global de incapacidade, segundo estimativas da OMS. No entanto, em média, recebem menos de 2% do financiamento governamental em saúde.
O novo relatório do McKinsey Health Institute (MHI) lança luz sobre o que pode ser a maior oportunidade perdida — e a mais urgente — para governos e empresas: investir em saúde mental não apenas salva vidas e reduz sofrimento, como também gera retornos econômicos tangíveis e duradouros. Ao estimar que intervenções eficazes e escaláveis poderiam reduzir em mais de 40% a carga desses transtornos até 2050, o estudo propõe uma reconfiguração da forma como tratamos — e financiamos — o cuidado com a mente humana.
Uma crise silenciosa e crescente
O crescimento da carga de doenças mentais e transtornos por uso de substâncias é um fenômeno global, mas os números revelam sua dimensão descomunal. De acordo com o relatório, esses transtornos representam cerca de 15% da carga global de doenças, o que os torna comparáveis a condições cardiovasculares ou câncer em termos de impacto agregado. No entanto, ao contrário destas, a saúde mental continua sendo marcada por estigma, subdiagnóstico e subfinanciamento.
Essa disparidade se traduz em uma lacuna de financiamento estimada entre US$ 200 bilhões e US$ 350 bilhões por ano. Em países de baixa e média renda, a distância entre a necessidade e a resposta é ainda mais gritante, com sistemas públicos sem infraestrutura básica para diagnósticos precoces ou apoio psicossocial. Mesmo em economias avançadas, os serviços de saúde mental são fragmentados, difíceis de acessar e frequentemente ineficazes.
A promessa de retorno — humano e econômico
O MHI, ao contrário de abordagens meramente clínicas ou humanitárias, adota um enfoque pragmático: investir em saúde mental é economicamente inteligente. Segundo suas estimativas, cada dólar investido em intervenções bem desenhadas e de larga escala pode gerar entre US$ 5 e US$ 6 em retorno econômico. Isso inclui aumento de produtividade, redução de custos com saúde, menor absenteísmo e maior capacidade de contribuição ativa das pessoas à sociedade.
Se levada a sério, essa agenda tem o potencial de adicionar até US$ 4,4 trilhões à economia global até 2050. A expectativa de vida saudável — aquela vivida sem incapacidades significativas — também aumentaria em média 1,1 ano por pessoa. Em termos de política pública, é difícil imaginar outro investimento com impacto tão transversal, tanto no indivíduo quanto na economia.
Além disso, a intervenção precoce em saúde mental previne desfechos clínicos graves e reduz o custo de tratamentos tardios. Do ponto de vista epidemiológico, evitar o agravamento de transtornos comuns como depressão e ansiedade pode ser mais eficiente do que tratar complicações crônicas posteriores. A chave está, portanto, na escala e na antecipação.
A dificuldade de agir
Por que, então, uma proposta com tanto potencial segue negligenciada? Parte da resposta está no próprio caráter invisível da saúde mental. Ao contrário de uma perna quebrada ou uma cirurgia cardíaca, a dor psíquica não se materializa com clareza nem no corpo, nem no sistema. Faltam indicadores claros, métricas amplamente adotadas e — talvez o mais importante — vontade política para enfrentá-la com seriedade.
Outro obstáculo é a fragmentação entre os setores responsáveis: saúde, educação, trabalho e assistência social dividem responsabilidades, mas raramente atuam de forma coordenada. O resultado são serviços desconectados, que falham em oferecer um cuidado contínuo e centrado na pessoa.
Há também o fator cultural: o estigma em torno de transtornos mentais permanece forte em muitas sociedades. Isso inibe a busca por tratamento e perpetua a ideia de que a saúde mental é um problema individual, e não uma responsabilidade coletiva.
O papel do setor privado
Empresas não estão imunes a esse cenário — muito pelo contrário. A deterioração da saúde mental no ambiente de trabalho custa bilhões anualmente em perdas de produtividade, rotatividade, afastamentos e queda de engajamento. Um estudo citado no relatório indica que até 60% dos trabalhadores em alguns setores relatam níveis elevados de estresse psicológico, com impactos diretos em desempenho e clima organizacional.
A boa notícia é que há uma janela de oportunidade real para o setor privado liderar a mudança. Programas internos de saúde mental, treinamentos de líderes, ampliação de benefícios psicológicos e integração de plataformas digitais podem reduzir drasticamente os impactos negativos no local de trabalho — e fortalecer a cultura organizacional.
Mais que isso, empresas que se posicionam de forma ativa nesse campo ganham reputação, fidelidade de talentos e diferencial competitivo. Em uma era em que o bem-estar se tornou um valor fundamental para as novas gerações, o compromisso com a saúde mental não é apenas desejável — é estratégico.
A arquitetura de uma nova abordagem
Investir em saúde mental requer mais do que aumentar orçamentos: exige pensar o sistema como um todo. Isso inclui desde campanhas de conscientização pública até mudanças regulatórias que incentivem a integração de cuidados psicológicos na atenção primária. Tecnologias digitais — como aplicativos de apoio emocional, triagem automatizada e plataformas de psicoterapia online — devem ser vistas como complementos valiosos e não substitutos do cuidado humano.
O relatório do MHI propõe um conjunto de ações coordenadas:
Integração da saúde mental nos sistemas de saúde geral, garantindo que diagnósticos e tratamentos não sejam isolados.
Criação de indicadores de impacto populacional, que permitam medir avanços e justificar investimentos.
Treinamento de profissionais não-especialistas para ampliar a capilaridade dos cuidados básicos em saúde mental.
Parcerias público-privadas que combinem escala governamental com inovação corporativa.
Fomento à pesquisa e avaliação de intervenções baseadas em evidências.
Conclusão: uma escolha inevitável
Se a pandemia de COVID-19 revelou algo com clareza, foi a fragilidade da saúde mental coletiva — e o custo de ignorá-la. O mundo do pós-pandemia exige respostas mais empáticas, preventivas e sistêmicas. A saúde mental, longe de ser um luxo ou um tabu, é um pilar fundamental do desenvolvimento humano e econômico.
A pergunta, portanto, não é mais se devemos investir em saúde mental, mas como, quanto e com que urgência. A resposta, segundo o McKinsey Health Institute, é inequívoca: investir agora é colher décadas de progresso — ou pagar um preço social e econômico incalculável.