Predição de Obesidade: O Futuro está nos Escores de Risco Genético
Uma revolução está ocorrendo na medicina preventiva. Pesquisadores estão cada vez mais convencidos de que a predisposição à obesidade pode ser identificada muito antes das primeiras manifestações clínicas, graças a avanços significativos na genética. Este desenvolvimento representa uma mudança de paradigma na abordagem de uma condição que afeta bilhões de pessoas em todo o mundo e custa aos sistemas de saúde quantias astronômicas anualmente.
Genética supera ambiente na predição da obesidade
Há décadas, os cientistas sabem que a genética exerce um papel mais determinante do que o ambiente na predição de quem desenvolverá obesidade. Estudos com gêmeos idênticos criados separadamente mostram que tendem a ter índices de massa corporal (IMC) semelhantes. De forma análoga, crianças adotadas frequentemente apresentam graus de obesidade similares aos de seus pais biológicos, e não aos de seus pais adotivos.
Essa constatação, aparentemente simples, tem implicações profundas. Se a obesidade tem raízes genéticas substanciais, então a identificação precoce de indivíduos em risco poderia revolucionar a prevenção, especialmente se iniciada na infância. Contudo, o mapeamento genético da obesidade revelou-se extremamente complexo.
Ao contrário de condições monogênicas raras, a obesidade comum resulta da ação conjunta de milhares de variantes genéticas, cada uma exercendo um efeito minúsculo. Esta complexidade tornou a predição genética um desafio formidável para os cientistas.
Cinco milhões de genomas e uma nova ferramenta de predição
Um grupo internacional composto por centenas de pesquisadores acaba de dar um passo significativo nessa direção. Utilizando dados genéticos de cinco milhões de pessoas, o consórcio desenvolveu um escore de risco de obesidade, tecnicamente conhecido como escore de risco poligênico. Este escore combina milhares de variantes genéticas para estimar o IMC previsto dos indivíduos, medida que os médicos continuam a utilizar para antecipar riscos à saúde relacionados ao peso.
Os resultados, publicados na revista Nature Medicine em julho de 2025, são notáveis. Os pesquisadores demonstraram que os escores podem prever quais crianças pequenas estão em risco de obesidade na idade adulta, mesmo quando o peso atual não oferece indicações. Em outro teste revelador, descobriram que adultos com sobrepeso e obesidade que possuem escores de risco elevados rapidamente recuperam qualquer peso perdido através de programas de mudança de estilo de vida.
O Dr. Joel Hirschhorn, um dos autores do estudo e professor de pediatria e genética no Hospital Infantil de Boston, adverte que a genética não pode contabilizar completamente os efeitos do ambiente e, portanto, é inerentemente limitada na predição da obesidade. "Quase nunca poderemos dizer que uma criança terá um IMC de 38 quando adulta", afirma. "A genética não é tão preditiva assim."
No entanto, a genética pode oferecer indicações valiosas sobre quem está ou não em risco. "Há definitivamente valor preditivo na genética", diz Hirschhorn, acrescentando que, com o novo estudo, "estamos agora muito mais próximos de poder usar a genética de uma maneira potencialmente significativa para predição."
Limitações e promessas
O novo escore representa um avanço considerável, mas possui limitações importantes. Atualmente, consegue explicar apenas cerca de um terço do efeito genético sobre a obesidade. Para contabilizar integralmente o componente genético, seriam necessárias populações ainda maiores para identificar variantes que, individualmente, têm menor poder preditivo.
Outro fator limitante é a composição étnica da amostra. Como a maioria dos dados do estudo provém de europeus, o escore é mais preciso na predição da obesidade em pessoas com ancestralidade europeia, um viés frequente em pesquisas genéticas que precisa ser corrigido em estudos futuros.
Apesar dessas restrições, os resultados são promissores. A Dra. Ruth Loos, da Universidade de Copenhague e investigadora principal no novo estudo, observa que os pesos de crianças com menos de 5 anos não predizem seu risco futuro de obesidade. Mas seus escores de risco poligênico conseguem fazê-lo, dentro de certos limites.
Aplicações práticas emergentes
As implicações práticas começam a materializar-se. O grupo testou os escores de risco analisando a genética e os resultados de participantes em estudos que utilizavam dieta e exercício para reduzir o peso. Curiosamente, pessoas com os escores de risco mais altos responderam melhor aos programas de estilo de vida, mas também foram as menos propensas a manter os resultados – recuperaram todo o peso perdido no primeiro ano após o término do estudo. Aqueles com escores de risco mais baixos tiveram mais sucesso na manutenção da perda de peso.
O Dr. Pradeep Natarajan, geneticista do Hospital Geral de Massachusetts que não participou do estudo, considera os novos achados "intrigantes". Ele vislumbra um futuro em que os escores de risco de obesidade possam ser utilizados de maneira semelhante aos escores de risco para doenças cardíacas, ajudando os médicos a determinar quão agressivamente tratar condições como colesterol ou pressão arterial ligeiramente elevados.
O horizonte da medicina personalizada
A fronteira está se expandindo rapidamente. A Dra. Loos e seus colegas já divulgaram um artigo online que utiliza escores genéticos para categorizar pessoas com obesidade entre aquelas que terão e as que não terão complicações cardiovasculares. Paralelamente, o Dr. Natarajan e sua equipe estão utilizando dados de ensaios clínicos dos novos medicamentos para obesidade para calcular os escores de risco dos participantes, investigando se o escore prediz a eficácia da resposta às drogas.
No futuro, prevê Natarajan, os escores de risco de obesidade sugerirão cursos de ação com maior probabilidade de sucesso. "Queremos fazer algo que melhore os resultados", afirma, capturando a essência do que está em jogo: uma medicina verdadeiramente personalizada que reconhece a individualidade genética de cada paciente.
À medida que a ciência avança, a esperança é que estes escores genéticos possam um dia orientar intervenções preventivas personalizadas, transformando nossa abordagem à obesidade de reativa para proativa, especialmente para aqueles geneticamente predispostos a esta condição complexa que permanece um dos maiores desafios de saúde pública do século XXI.